Este blog faz parte de uma série que explora os insights, temas-chave e abordagens que norteiam a publicação da NESsT: Destravando o Potencial do Ecossistema Mundial de Financiamentos para uma Bioeconomia Sustentável na Amazônia pela Perspectiva das Comunidades Locais. Baseado em vozes amazônicas e conversas com o setor financeiro global, o relatório identifica nove recomendações em duas áreas principais para que investidores públicos e privados focados em impacto possam melhorar o direcionamento, eficácia e eficiência de seus financiamentos para a bioeconomia da Amazônia. Com esta série de dez partes, buscamos trazer essas oportunidades para conversas mais amplas e espaços de discussão diversificados, ampliando o alcance das comunidades amazônicas e suas vozes, experiências e soluções.
Foto: Ricardo Calderón, Agrosolidaria
A Corporação Financeira Internacional (CFI) estima que 65 milhões de empresas — ou 40% das micro, pequenas e médias empresas (MPMEs) formais em países em desenvolvimento — têm uma necessidade não atendida de financiamento de US$ 5.2 trilhões por ano. Esse problema é particularmente grave na América Latina e no Caribe, onde as MPMEs são uma parte essencial da economia regional, mas enfrentam o segundo maior déficit de financiamento do mundo, ficando atrás apenas da Ásia Oriental.
Vários fatores contribuem para que estas organizações enfrentem maiores restrições de crédito se comparadas a empresas de grande porte. Esses negócios de pequeno porte geralmente possuem menos garantias, histórico financeiro limitado e poucos recursos para cumprir os requisitos administrativos, de governança e de gestão financeira exigidos por investidores e credores.
E o desafio é agravado pelo fato de que investidores e bancos muitas vezes não possuem a expertise necessária para avaliar corretamente os riscos associados ao financiamento de pequenos empreendedores cujas as atuações têm impactos e objetivos para além do lucro.
Quando as organizações de base comunitária e MPMEs não conseguem acessar financiamento, as consequências vão além dos negócios individuais e afetam as comunidades e o ecossistema, dificultando o crescimento econômico, a inovação, a criação de empregos e os esforços de conservação.
Em regiões como a Amazônia, essa falta de acesso aos recursos também agrava desigualdades sociais e deixa comunidades marginalizadas sem suporte adequado.
“Como organizações de base comunitária, enfrentamos diversos desafios para acessar financiamento. Um dos problemas é que os recursos disponíveis muitas vezes vêm com um sistema assistencialista que não se alinha totalmente com os objetivos da nossa organização. Outro desafio é a dificuldade em obter financiamento que realmente preencha as lacunas que identificamos para o crescimento dos nossos modelos. Os recursos geralmente são destinados a áreas onde as organizações ainda não atingiram o nível de maturidade necessário para tais investimentos, mas o que precisamos é de financiamento que nos ajude a crescer por etapas.”
O olhar das comunidades locais: o custo de solicitar financiamento de múltiplas fontes
ASPROC foi uma das 10 empresas entrevistadas para o estudo.
Empreendimentos agrícolas entrevistados pela NESsT, como parte de seu estudo sobre financiamento da bioeconomia amazônica, apontaram de forma unânime que vivenciaram dificuldades para atender às demandas complexas de solicitação e prestação de contas, tanto em programas de crédito locais quanto no financiamento internacional.
Além disso, algumas empresas destacaram que não possuem os recursos humanos e financeiros para fornecer os dados detalhados atualmente exigidos por certas associações de desenvolvimento internacional.
Casos de estudo da NESsT: Exemplos de empresas que perderam oportunidades de financiamento devido a processos complexos
ASPROC é uma associação que representa aproximadamente 800 famílias de 55 comunidades ribeirinhas da Amazônia. Ela é liderada por um pequeno grupo de seis diretores, dois dos quais também são coletores e produtores.
Durante uma visita de campo, um representante da ASPROC compartilhou com gestores de portfólio da NESsT que “preparar solicitações para financiadores pode ser extremamente demorado, o que acaba desestimulando a própria tentativa de obtenção de recursos”. Além disso, os representantes da associação citaram ter dificuldades para atender aos critérios rigorosos das avaliações de crédito.
Associação dos Trabalhadores Agroextrativistas da Ilha das Cinzas ATAIC
ATAIC é uma associação criada em 2011, que já tentou diversas vezes acessar investimentos diretos de Instituições Financeiras de Desenvolvimento (DFIs), mas enfrentou desafios recorrentes no processo de solicitação, como não conseguir atender aos requisitos exigidos e não ter capacidade operacional para cumprir com as exigências de prestação de contas.
AFIMAD opera com uma equipe de gestão reduzida, equilibrando múltiplas responsabilidades com suas operações, comunidades, clientes e parceiros. Apesar de sua longa experiência exportando castanhas-do-Brasil orgânicas e certificadas em Fair Trade da Amazônia para os EUA, ainda enfrenta dificuldades para acessar fontes de financiamento que cubram as necessidades de capital giro para a colheita e ofereçam capital paciente para melhorar sua logística e desenvolver novas linhas de negócios adaptadas às mudanças no mercado e na produtividade das colheitas.
Durante as entrevistas para a NESsT, a associação destacou as dificuldades em navegar pelas distintas exigências e requisitos de solicitação de diferentes fontes de financiamento.
Ampliando o Diálogo com os Empreendedores do Portfólio da NESsT
Com base nessas descobertas como parte da discussão da COP16 Colômbia 'Desbloqueando Financiamento para uma Bioeconomia Pan-Amazônica Liderada Localmente', co-organizada pela NESsT e pela Rede Pan-Amazônica para Bioeconomia, nos envolvemos em discussões aprofundadas com empreendedores da bioeconomia amazônica para aprofundar nossa compreensão dessas barreiras de financiamento e explorar soluções práticas juntos.
Por meio de conversas com os empresários Ricardo Calderón, Agrosolidaria Florencia e José Yahuarcani, Asociación Intercomunitaria Painü, além de representantes de bancos de desenvolvimento e investidores públicos e privados, identificamos os seguintes desafios e oportunidades em torno da solicitação de financiamento e critérios de relatórios.
Fotos: Discussão da COP16 Colômbia 'Desbloqueando Financiamento para uma Bioeconomia Pan-Amazônica Liderada Localmente', co-organizada pela NESsT e pela Rede Pan-Amazônica para Bioeconomia
1. Desalinhamento de Objetivos
Conforme identificado no estudo da NESsT sobre financiamento da bioeconomia, muitas vezes há uma desconexão entre os objetivos institucionais dos financiadores e a realidade das empresas da bioeconomia na Amazônia. Isso resulta em demandas burocráticas excessivas, como solicitações repetitivas de vários doadores e investidores, requisitos de relatórios desalinhados com as realidades locais e expectativas irrealistas, dada a capacidade e a força de trabalho do negócio.
Empreendedores expressaram preocupações sobre o desalinhamento causado quando os doadores impõem metas predefinidas, gerando encargos excessivos para as empresas. Um exemplo disso é a priorização de projetos de reflorestamento em vez de iniciativas já em andamento para a manutenção das florestas. Além disso, eles apontaram ineficiências nas exigências de relatórios, como solicitações frequentes de dados repetidos e materiais de comunicação, que poderiam ser simplificados.
Joana Oliviera, COP 16
Oportunidade:
Financiadores e beneficiários podem colaborar desde o início para alinhar expectativas e simplificar processos, convergindo os procedimentos de aplicação e diligência, reduzindo a burocracia e adaptando as exigências de relatórios à capacidade operacional das empresas da bioeconomia.
“Para impulsionar uma bioeconomia sustentável liderada localmente, precisamos identificar os caminhos e inovações que atraiam investimentos, garantindo ao mesmo tempo a conservação da floresta e a qualidade de vida das populações da Amazônia. Há diferentes níveis de maturidade nos negócios de bioeconomia e várias fontes de financiamento, mas ainda falta uma conexão eficiente para mobilizar esses investimentos. Não é uma equação simples. Por isso, é fundamental aprofundar o diálogo multissetorial, coordenar esforços regionais e alinhar visões e iniciativas na região.”
2. Falta de Apoio Institucional
Empresas da bioeconomia não recebem suporte suficiente do setor público para cumprir requisitos de financiamento – especialmente quando estão navegando pelos processos de aplicação complexos e tentando se adequar a critérios de investimento.
Oportunidade:
Investidores de impacto públicos e organizações filantrópicas podem apoiar empresas de bioeconomia financiando iniciativas e recursos de capacitação, especificamente com foco na preparação para investimento. Além disso, os programas governamentais voltados para empresas rurais podem fornecer aos empreendedores as habilidades e ferramentas necessárias para atender às expectativas de investidores públicos e privados.
Como um dos painelistas comentou:
“As estratégias para manter a continuidade enquanto as empresas e iniciativas [da Amazon] crescem em independência incluem o envolvimento de instituições multilaterais. Essas instituições desempenham um papel crucial, garantindo que os projetos tenham tempo suficiente para desenvolver suas capacidades, experimentar e crescer de maneira sustentável.”
3. Falta de Conexões e Acesso a Redes
Empresas da bioeconomia têm dificuldade para participar de eventos estratégicos e redes de financiamento, reduzindo sua visibilidade perante investidores.
Oportunidade:
Envolver empresas da bioeconomia em eventos e redes estratégicas é vital para impulsionar seu crescimento. Os investidores de impacto podem desempenhar um papel decisivo ao facilitar e promover essa participação em fóruns relevantes. Essa atuação ativa não só amplia a visibilidade dessas empresas, mas também fomenta parcerias comerciais estratégicas, essenciais para gerar novas oportunidades de investimento. Vale destacar que novos acordos comerciais frequentemente funcionam como uma porta de entrada para futuros financiamentos.
Cairo Bastos, COP 16
“Para direcionar recursos de forma mais eficaz para as iniciativas da Amazônia, uma parte crucial do trabalho da NESsT é fechar as lacunas de comunicação e conhecimento entre investidores e empresas locais.”
4. Regulamentações Restritivas
Regras complicadas e impostos, como os que incidem sobre o transporte de mercadorias ou produção de materiais vegetais, não levam em conta a realidade prática das empresas da bioeconomia, criando obstáculos significativos ao acesso a financiamento e oportunidades de crescimento.
Oportunidade:
Reformular marcos regulatórios e políticas fiscais com a participação dos produtores da bioeconomia pode garantir que essas regras sejam mais justas e viáveis, promovendo um ambiente mais favorável à bioeconomia, às operações empresariais e à sustentabilidade.
5. Infraestrutura e Conectividade Limitadas
A falta de infraestrutura e isolamento geográfico dificultam a comunicação entre empresas da bioeconomia e investidores, prejudicando seu acesso ao financiamento. Essas limitações de conectividade frequentemente impedem a identificação de novas oportunidades, a construção de relacionamentos com doadores e a otimização de processos críticos como relatórios e coleta de dados.
Oportunidade:
Investidores filantrópicos e de impacto podem destinar recursos para melhorar a conectividade e as ferramentas de comunicação para bioempresas. Além disso, investidores públicos e multilaterais podem priorizar investimentos estratégicos em infraestrutura e logística, fortalecendo cadeias produtivas e ampliando o acesso ao mercado. Já os investidores privados desempenham um papel crucial ao fortalecer a conectividade nas suas cadeias de valor e integrar negócios baseados em recursos florestais. O fortalecimento dessas conexões permite que os produtores locais da bioeconomia agreguem valor significativo aos mercados globais, oferecendo soluções sustentáveis, promovendo benefícios sociais e assegurando salvaguardas ambientais.
Garantindo acesso ao financiamento por meio de metodologias co-projetadas e orientadas localmente
Com o apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e da Fundação Moore, a NESsT está fornecendo financiamento e suporte empresarial para 15 empreendimentos liderados por indígenas na Amazônia e apoiando federações indígenas nacionais e regionais a desenvolver sua própria metodologia de incubação e aceleração.
A iniciativa prioriza a escuta ativa de líderes indígenas e empreendedores, integrando seus interesses desde o início do período de aceleração e simplificando os processos de solicitação e prestação de contas para garantir que o financiamento chegue diretamente às comunidades que mais precisam.
Ao fortalecer as vozes locais e a liderança comunitária, a iniciativa visa ampliar o papel dos Povos Indígenas e Comunidades Locais (IPLCs) na preservação da biodiversidade e fomento de uma bioeconomia sustentável por meio do empreendedorismo. O piloto já demonstrou sucesso por meio de ações específicas para promover o intercâmbio mútuo de habilidades e conhecimentos e fortalecer os modelos de governança.
Você pode acessar o estudo e recomendações detalhadas da NESsT abaixo em inglês, português e espanhol:
Você pode ler mais sobre o trabalho do NESsT para integrar as vozes dos Povos Indígenas e Comunidades Locais em conversas sobre empreendedorismo, financiamento e assistência empresarial aqui: nesst.org/amazonia